
Pedra, papel, BIM
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Imagem: Detalhe de fachada em estilo neoclássico (buhitter.com)
Esse texto é um manifesto em defesa à produção arquitetônica contemporânea. Logo, é importante explicar que o nível de sarcasmo do título é proporcional ao nosso descontentamento em ter que escrever sobre esse assunto.
E é fácil entender o porquê disso: estamos no ano de 2020, vivendo hoje o ápice do desenvolvimento tecnológico. Já faz mais de 50 anos que o homem foi à lua, a colonização de Marte é uma possibilidade discutida por várias empresas de tecnologia espacial e, enquanto isso, Elon Musk está aplicando seus esforços de pesquisa para possibilitar que uma viagem do Brasil ao Japão seja feita em menos de 60 minutos. Está duvidando? Dá uma olhada no vídeo abaixo.
Vídeo: Lançamento e pouso na vertical do foguete Falcon 9 (youtube.com)
Isso sem mencionar outros méritos da tecnologia que usamos no nosso cotidiano. Mas, ainda assim, o que mais vemos por aí são fachadas decoradas com colunas que foram desenhadas pelos gregos há mais de 2.500 anos atrás.
Não faz sentido.
É senso comum a afirmação de que algumas questões não podem ser discutidas, uma vez que caem na esfera do gosto pessoal. Gosto é gosto e cada um tem o seu, não é mesmo? Pensando dessa forma, cada pessoa tem o seu direito de gostar ou não dessa ou daquela arquitetura, independente do seu estilo.
Não necessariamente. Usando argumentos podemos discutir arquitetura, construindo uma linha de raciocínio para determinar critérios que auxiliem as decisões arquitetônicas.
Com base em críticas, análises e discussões, podemos moldar nosso entendimento sobre arquitetura. Como já disse Bruno Zevi, não basta olhar, é preciso saber ver a arquitetura.
Vamos aos argumentos: para a arquitetura – assim como para o campo da física – tempo e espaço são condicionantes interdependentes.
Com isso, entende-se que arquitetura deve mutuamente respeitar esses dois condicionantes: primeiro, do espaço em que está inserida – dialogando com condicionantes locais, materiais, climáticos… (o que é discussão para outro texto, diga-se de passagem) e, não menos importante, deve respeitar o condicionante do tempo – este sim que é pauta deste texto.
A arquitetura quando respeita seu contexto temporal, tem claramente refletidos em seu sistema construtivo e nas suas fachadas o período em que foi desenvolvida. Por isso que olhamos para as cidades da Grécia Antiga e vemos aquelas construções robustas de mármore branco com colunas ornamentadas de seção muitas vezes superior à um metro de diâmetro.
Nossos amigos gregos construíam dessa forma porque estavam usando a tecnologia que eles tinham a seu dispor.
Imagem: Arquitetura clássica do Parthenon, em Atenas, na Grécia, construído entre 447 e 438 A.C (dreamstayinn.com)
Esse tipo de construção, por seu porte, escala e materialidade, faz com que a arquitetura clássica passe uma mensagem clara de estabilidade, firmeza, robustez e imponência. Existe um sentimento universal em relação a isso. Basta olhar para a arquitetura de edifícios públicos ou governamentais, como o Capitólio de Washington D.C. A arquitetura da capital do país mais desenvolvido do mundo contemporâneo revive os ideais arquitetônicos gregos em vez de respeitar e celebrar o tempo em que foi edificada.
Tomando um caminho diametralmente oposto ao exemplo norte-americano, os edifícios projetados por Oscar Niemeyer para Brasília fazem uso de linhas curvas e retas para criar uma atmosfera também de imponência, nobreza e robustez, mas, ao mesmo tempo, de leveza, sutileza e contemporaneidade.
Niemeyer sabia que poderia usar traços contemporâneos para transmitir a mensagem almejada. Assim, a arquitetura dos edifícios públicos em Brasília reflete perfeitamente o ideal progressista que JK buscava para sua capital.
Imagem: Capitólio, em Washington, DC, com linhas neoclássicas e Congresso Nacional, em Brasília, com a arquitetura moderna de Niemeyer (tripsavvy.com e andifes.org.br)
Ledo engano assumir que o objetivo de reviver estilos arquitetônicos antigos seja o amor por construções de pedra. Trata-se, na verdade, de uma falácia; de uma procura no material por aquilo que nos é intangível – os ideais que ele representa.
Os produtos da arquitetura, assim como do design, das artes, ou de qualquer gênero material do trabalho humano, possuem força para comunicar uma mensagem. Usando as palavras do filósofo sueco Alain de Botton, o desenho de qualquer objeto transmite uma impressão das atitudes psicológicas e morais que ele defende.
Pensando dessa forma, podemos entender que, quando em pleno século XXI vemos alguma construção saudosista revivendo estilos do passado, mais do que uma tentativa por construir através de métodos antigos, busca-se naquela arquitetura uma forma de reprodução daqueles ideais.
Trata-se de uma alegoria do sentimento buscado com a arquitetura: uma forma de resgate àquilo que vemos com tanta clareza nas edificações, e que gostaríamos de aplicar às nossas vidas.
Imagem: Interior do Palácio de Versalhes, construído entre 1664 e 1710 (presse.chateauversailles.fr)
Diferente do que afirma o filósofo Roger Scruton em seu documentário Why Beauty Matters, a arquitetura que respeita o passado não deve recriá-lo, mas sim deixá-lo sem máculas, intocado. A arquitetura contemporânea deve celebrar o antigo exaltando suas diferenças.
Para encerrar nossa argumentação, é importante mencionar que a arquitetura deve respeitar duas questões fundamentais: originalidade e autenticidade. E não há autenticidade alguma em recriar estilos arquitetônicos já consolidados.
Imagem: Casa em estilo neoclássico do cantor sertanejo Gusttavo Lima, construída em 2019 (casa.abril.com)
Já diziam que na natureza nada se perde, nada se cria e tudo se transforma. Por outro lado, na arquitetura devemos perder o apreço por reproduzir aquilo que não pertence ao nosso tempo; criar novos padrões para, através deles, transformar nossa realidade.
E para não ficar só na esfera da crítica, em um próximo texto vamos falar sobre o que acreditamos e produzimos na PLUS Arquitetura. Mas, se quiser, sinta-se à vontade para conferir um pouco dos nossos projetos aqui.
Você tem todo o direito de discordar, é claro, e preferir que sua casa seja projetada no estilo barroco, rococó…, mas, sejamos francos: você está lendo esse texto em seu computador, tablet, smartphone ou, assim como os gregos, no bom e velho papiro?
Imagem: Arte do designer Mehmet Geren, que mistura arte clássica com elementos modernos (9gag.com)
Bruno Zevi. Saber Ver a Arquitetura. Editora Martins Fontes, 2009.
Alain de Botton. A Arquitetura da Felicidade. Editora Rocco, 2007.
Roger Scruton. Why Beaty Matters. Documentário BBC Two, 2009.
Kennth Frampton. História Crítica da Arquitetura Moderna. Editora Martins Fontes, 2015.
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