
Pedra, papel, BIM
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Ler mais“Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados”
(Esquadros – Adriana Calcanhoto)
Sabemos que a cidade é mais que um equipamento urbano, porque ela é o cenário que permite a troca social entre todos. As primeiras cidades, formadas há mais de 3.500 anos AC na Mesopotâmia, estabeleceram espaços que privilegiavam a escala humana: encontros e interações entre as pessoas. É possível perceber então, que as cidades e as ruas nasceram muito antes do advento dos automóveis, que só possuem 100 anos de existência. O carro surgiu e com ele nasceu também uma inversão: as cidades passaram a ser adaptadas e desenhadas para veículos, não mais para pessoas.
Imagem: shuterstock.com
A frase acima, proferida pelo urbanista colombiano e ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, parece uma daquelas obviedades, mas precisa ser repetida à exaustão. Em cidades cada vez mais tomadas por carros, se negligencia o fato de que os pedestres têm tanta importância quanto os veículos. (Para conferir uma palestra onde o urbanista fala sobre ruas, veículos, mobilidade e democracia clique aqui).
A circulação massiva de automóveis nas grandes cidades tem ocasionado problemas de ordem urbanística, ambiental e de saúde pública. A popularização dos carros fez com que os espaços onde as pessoas caminham fossem cada vez mais comprimidos e colocados às margens. A grande malha de asfalto construída para abrigar esses veículos, cada vez mais responsáveis pelo trânsito desordenado e caótico que vemos, também reflete no aumento da temperatura das vias e, consequentemente, das cidades. Você já imaginou quantas árvores e tipos de vegetação precisam ser derrubados diariamente na construção de ruas, avenidas e rodovias?
Os níveis de poluição dos grandes centros urbanos há muito tempo passam dos limites aceitáveis. Esse é o ônus do mundo moderno em que estamos inseridos: usamos todo o tipo de tecnologia em nosso cotidiano ao mesmo tempo em que observamos o ar ficar cada minuto mais poluído pela emissão de gases provenientes das indústrias, usinas de energia e da queima de combustíveis fósseis eliminados pelos veículos.
Imagem: Visão aérea da poluição de Xangai (shutterstock.com)
A predominância do automóvel sobre o pedestre também incide em problemas de saúde pública como doenças pulmonares, provenientes do ar poluído, e obesidade e doenças cardiovasculares, resultado do alto índice de sedentarismo.
Não negamos os benefícios que o carro oferece à vida de uma pessoa. No entanto, cidades com um projeto urbanístico qualificado precisam oferecer outras opções a sua população e, de preferência, que essas escolhas sejam pautadas em uma vida mais saudável e sustentável.
Isso só é possível com espaços públicos e serviços que garantam o acesso e permanência de todos. Onde se possa transitar, mas também passear, brincar e se exercitar em ruas, parques, praças e demais equipamentos urbanos.
A rua é composta pelas pessoas que passam por ela e cidades mais ativas são também cidades mais caminháveis, onde o pedestre é tão ou mais importante que o motorista e o automóvel. A arquitetura e o urbanismo, atentos à essas questões, entenderam a necessidade de recuperar a rua como uma facilitadora da conexão entre lugares e pessoas.
A cidade é uma obra aberta e coletiva. Dentro desse conceito, surgiu na Holanda na década de 60, o Woonerf como solução para criar um espaço urbano mais harmônico e menos agressivo, onde a rua importa mais enquanto espaço de vivência do que de passagem. No vídeo abaixo podemos entender como ocorre a experiência nesse tipo de rua.
Vídeo: youtube.com
O Woonerf tem como pretensão mudar o uso da rua e promover espaços verdadeiramente compartilhados, onde o direito de livre mobilidade é exercido na forma de solidariedade, empatia, respeito e cuidado mútuo.
Sai o semáforo, que foi criado para hierarquizar o tempo de deslocamento. Sai também o desnível entre a calçada e a pista de rolagem. Sem placas, sinalização e dispositivos de controle de velocidade, a ideia é que todos que compartilham a rua negociem seu espaço e sua permanência. À primeira vista, pode parecer que estamos criando uma rua mais perigosa, porém, a ausência de dispositivos de controle induz os motoristas e pedestres a um maior estado de alerta, que por sua vez, torna a rua mais segura.
Imagem: Rua Compartilhada em Michigan, EUA (Google Street View)
8 horas da manhã de um sábado. Saímos de nossas casas e caminhamos pela rua compartilhada do bairro. Tomamos café em uma padaria, fomentando o comércio local. Sentados em um banco da rua, projetado cuidadosamente para facilitar tanto o descanso quanto a contemplação, lemos o jornal e observamos, em meio às intervenções artísticas criadas nesta Woonerf. São crianças brincando na praça, mães passeando com seus filhos, pessoas caminhando com seus cachorros e carros compartilhando o espaço com pedestres e ciclistas, todos convivendo em harmonia e respeito. Esse é um relato totalmente fictício, mas em síntese, é o tipo de interação que as ruas compartilhadas propõem: qualificar o ambiente urbano construído e promover a liberdade de movimento.
Amarelinha, futebol, pega-pega e outras brincadeiras podem fazer da rua um playground. Mas, com tantas opções de uso, por que insistimos em fazer dela um local exclusivo de passagem? A rua é propriedade pública e o público tem o direito de ocupar. É local de encontro, mas também de permanência, onde as pessoas se reúnem para serem vistas e fazem dos espaços públicos lugar de lazer e interação.
Imagem: shuterstock.com
Mais do que construir ruas, avenidas, parques e praças, é preciso planejar a cidade para que as pessoas tenham contato com a sociedade em torno delas. A melhor forma para conhecer uma cidade é caminhar, mas ela precisa dar condições de acesso e mobilidade aos seus cidadãos.
O urbanista Jan Gehl defende o caminhar como forma de contemplar o espaço urbano. Mas é um caminhar sem compromisso, experimentando os espaços e seus usos, ou, como coloca o filósofo e sociólogo Walter Benjamin, ao formular a categoria do flâneur, é ler a cidade e seus habitantes e decifrar os sentidos da vida urbana. Gehl explica: as cidades devem propiciar boas condições para que as pessoas caminhem, parem, sentem, olhem, ouçam e falem.
As ruas compartilhadas aparecem no cenário urbano justamente para restaurar a dimensão humana da cidade e devolvê-la para as pessoas.
Imagem: shuterstock.com
Enrique Peñalosa Porque os ônibus representam a democracia em ação. TED. Talk, 2013.
Jan Gehl. Cidades para pessoas. Editora Perspectiva, 2013.
Walter Benjamin. Charles Baudelaire: Um lírico no auge do capitalismo. Vol III. Editora Brasiliense, 1994.
Por Thaís Ramos e Tueilon de Oliveira
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