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Homem – ambiente

29/04/2021

Tela de Jackson Pollock, evidenciando a relação homem-ambiente

Imagem: (galleryintell.com)


 

Podemos notar uma profunda dramaticidade nas obras do pintor expressionista norte americano Jackson Pollock (1912 – 1956).  À exemplo, vamos analisar o quadro n°30. (Clique aqui para conhecer outras obras do expressionista norte-americano).

Para muitas pessoas, a cena representada na obra é uma expressão de caos aparente e violência.

Agora, o lado interessante de analisarmos uma pintura como essa é para nos questionarmos: por que alguns litros de tinta literalmente  jogados sobre uma tela, conseguem obter tamanha expressividade?

A resposta não está na pintura em si, mas dentro das nossas cabeças; o cérebro humano, ainda que de forma inconsciente, está habituado a reconhecer padrões no ambiente em que o cerca. Seja no espaço natural, ou no construído, evolutivamente fomos condicionados a agrupar formas no nosso modo de habitar e entender o meio.

É por conta disso que quando observamos uma forma geométrica retangular, com quatro lados iguais, naturalmente reconhecemos um quadrado. Não o entendemos como quatro linhas unidas, mas sim o significado da forma como um todo. Esse tipo de leitura acontece também com formas geométricas mais complexas – como aquelas da pintura – e, não obstante, com o próprio espaço que habitamos.

Esses exemplos são reflexos do esforço natural e constante que nosso cérebro faz para mapear o ambiente, sem que sequer nos demos conta disso.  Logo, conhecer melhor o funcionamento do cérebro humano pode ser a chave para entender a influência que o espaço gera nas pessoas.

 

Ciência para o cérebro

A neurociência é o campo que se dedica ao entendimento sobre o cérebro humano; o primeiro documento que abordou estudos sobre esse assunto é datado de 1735. Ou seja, já faz quase 300 anos que os campos da medicina, da psicologia e a biologia buscam uma melhor compreensão sobre o funcionamento das nossas cabeças.

A questão é que só recentemente esse campo da neurociência passou a ser discutido também em outras áreas, como economia, publicidade, além, é claro, da arquitetura.

 

B = ƒ(P, E)

Agora, vamos nos aprofundar um pouco sobre essa relação entre o cérebro humano e o espaço.  A equação criada pelo psicólogo Kurt Lewin (1890-1947) busca representar a influência do espaço no nosso comportamento. B = ƒ(P, E), em tradução, significa que: comportamento (B) = pessoa enquanto indivíduo (ƒ), com sua carga genética e memórias (P) + ambiente (E). Logo, podemos entender que o ambiente – o espaço que habitamos – tem um papel fundamental na determinação do nosso comportamento.

Nas palavras do célebre Winston Churchill, nós moldamos os edifícios e depois eles nos moldam. Em um processo contínuo, estamos constantemente condicionando o espaço à nossa volta ao mesmo tempo em que somos condicionados por ele.

Claro que esse raciocínio não é novidade alguma. A arquitetura das igrejas medievais já mostra como aqueles edifícios foram pensados para exibir monumentalidade e grandeza em uma representação material do poder divino, inspirando nas pessoas o sentimento de respeito, devoção e temor.


A robustez do interior de uma igreja

Imagem: (www.pexels.com)


Se quisermos usar um exemplo um pouco dramático sobre esse tema, basta também analisarmos a arquitetura dos presídios e detenções. O histórico uso das celas “solitárias” como punição ao mal comportamento, é uma tentativa para disciplinar um indivíduo através de restrições espaciais. A pessoa não tem liberdade para se mover em um espaço estéril, privado de luz e outros estímulos sensoriais.

 

Neurociência aplicada à arquitetura

Os edifícios, além de abrigarem nossos corpos, servem de abrigo para nossa mente. Logo, analisando todo o espectro de influências gerado pelo espaço, podemos notar que não somente ele interfere no nosso bem estar, mas também nas relações sociais, memória, criatividade e foco. A forma, a cor, os materiais, texturas, a luz, ou seja, a arquitetura em sua definição própria, tem participação ativa e direta em nossa vivência e nosso cotidiano.

Quando aplicada aos ambientes escolares, a neuroarquitetura pode fazer com que os espaços projetados para o ensino sejam por si só fomento ao aprendizado. Ao substituirmos a sala de aula tradicional, das paredes brancas e do quadro negro, por espaços que em sua morfologia e materialidade sejam mais estimulantes, temos a chance de proporcionar experiências muito mais enriquecedoras para os alunos.

Uma sala de aula que acolhe a criatividade é fruto de uma arquitetura de interiores pensada para propiciar essas experiências. Nós já falamos aqui no blog, sobre a importância da arquitetura de interiores. Clique aqui para ler).


interior de um espaço de educação infantil. Arquitetura prezando a relação homem-ambiente

Imagem: (www.architonic.com)


Cura através do espaço

Você já se perguntou o que a arquitetura dos espaços hospitalares pode fazer pelos seus pacientes? A escritora e designer Margaret Jencks questionou isso enquanto aguardava, em um corredor frio e sem janelas de um hospital na Escócia, o diagnóstico que se consolidaria como o retorno de um câncer.

Após esse momento, durante dois anos de tratamento, Jencks teve que vivenciar esses espaços estéreis que, como sabemos, não são exclusividade dos hospitais escoceses.

O câncer, assim como muitas outras doenças, requer a presença constante do paciente em hospitais, clínicas ou outros centros de tratamento, em processos que podem levar meses ou até mesmo anos para sua completude. O problema é que esses ambientes em sua maioria são frios e estéreis, que muito bem atendem à normas de saúde e vigilância sanitária, mas pouco fazem pelo bem estar das pessoas que vivenciam aqueles espaços.

Charles Jencks, motivado pelas inquietações de sua esposa durante o tratamento do câncer, criou um experimento que hoje é responsável pela construção de vários centros de tratamento em vários países do mundo.


Centro de tratamento pensado para melhorar a vivência dos pacientes

Imagem: (www.architectmagazine.com)


A característica que une esses centros de tratamento é a arquitetura pensada para melhorar a vivência dos pacientes em projetos que, como podemos notar na imagem acima, em nada se parecem com hospitais ou afins.

 

Por uma arquitetura mais humana

Estamos tão acostumados com algumas realidades, algumas constâncias nos espaços que habitamos, que em muitos casos não paramos para nos questionar se pode ser diferente; se pode ser melhor.

Apesar de que nesse texto acabamos dando bastante ênfase aos ambientes escolares e hospitalares, é válido nos questionarmos, em todos os campos da arquitetura e do urbanismo, o que os espaços podem fazer pelas pessoas. O quanto eles podem nos restringir, o quanto nos estimular, o quanto podem fazer com que tenhamos experiências mais enriquecedoras nos lugares que habitamos.

O quanto podem fazer com que sejamos pessoas melhores.

 

Referências:

https://www.archdaily.com.br/br/941959/neuroarquitetura-aplicada-a-arquiteturas-para-criancas

https://www.davidpublisher.org/Public/uploads/Contribute/5af0143f48634.pdf

 

   Por Tueilon de Oliveira

 

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